segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A PORTA DA FRENTE


Havia um morador de rua em minha porta. Ele não estava nos cantos, como deveriam ficar. Afinal, aos mais pobres dos pobres, jamais foi concedida a porta da frente. Entretanto, este foi atrevido, ou apenas estava estuporado demais para saber onde caia. 

Era ele a contaminar a minha rua perfeita, no final de tarde de primavera. Sim, eu sei que eles existem. Mas prefiro vê-los em documentários, assistir nas reportagens sensacionalistas do telejornal, desviar deles nas ruas mais sujas do centro. Justificam o fato de ele estar ali. Falam em estatísticas, citam os defeitos humanos. Colocam a culpa na miscigenação brasileira, nos vícios, nas doenças, na cultura, nos políticos. Só que, por mais que digam e repitam, não é isso que traz o homem bloqueando a minha porta. 

Ele faz de cama o chão onde pisamos. Seu alimento, tudo que rejeitamos. Seu amigo fiel, um cão. Tão vira-lata quanto o dono. Porém, mais amado, já que não carrega a culpa de ser gente. De berrar: Hei, sou humano! Não vire a cara. Meu cheiro seria o seu cheiro, se vivesse como eu vivo. Minha pele, sua pele. Não somos assim tão diferentes, mas porque você é quem sobe até o conforto de um apartamento? Não existiriam apartamentos para todos? Ah, eu não tenho dinheiro. Mas porque precisamos de dinheiro? Precisamos de comida, precisamos de um teto, precisamos de carinho. Mas tudo só se consegue com dinheiro? É, quem não tem dinheiro dorme na rua.

Prefiro vê-los quando não me sinto culpada por não deixá-los entrar.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

QUANDO FEMININO SIGNIFICA FRÁGIL.


Olho desconfiada para os sapatos. Eles me acrescentariam 12 cm de altura. E a impossibilidade de correr. Um traseiro mais empinado em troca de dificuldades de locomoção. Já não consigo entender essa inversão de prioridades. O que parece ser o nosso belo feminino é também o que nos torna frágeis.

Não sei em que momento da nossa cultura essa correlação começou. É só se lembrar das antigas histórias, dos romances de cavalaria. Fortes heróis salvando mocinhas indefesas. E puras. E castas. E virgens. Essa ironia quixotesca seguiu nas suas versões modernas. Todavia, agora elas já são heroínas. Já trocam tiros com malfeitores e golpes de artes-marciais. Porém, poucas tem a franqueza de Xena: armaduras e botas. A espiã luta e mata de vestido longo, salto alto e maquiagem completa. Se a mulher deixo de ser fraca, ela é ainda feita frágil (cá entre nós: todas que já tentaram fazer qualquer movimento mais brusco com esses trajes sabem do que eu falo).

Não é pura insistência minha falar de mulheres. Há, sim, exigências diferentes entre homens e mulheres. Por um momento, excluo da minha mente as vozes dissonantes da cultura de massa. Concentro-me apenas nas imagens reproduzidas nos programas televisivos populares e copiados no senso-comum das ruas. É ali que vejo claramente a mulher-frágil: mal-equilibrada em cima do salto alto, vestindo roupas feitas para expor o seu corpo - e, por isso mesmo, que limitam os seus movimentos - com seus cabelos alisados, tingidos, relaxados, mechados (esqueci alguma coisa?), unhas longas cobertas de esmalte, brincos pesados e maquiagem. Não venham com desculpas biológicas para a fragilidade feminina. A biologia não a vestiu assim, não a ensinou a se portar desse jeito. Aqui o abismo é cultural.

Quando eu era menina, descobri logo que o mundo se dividia entre o rosa e o azul. E daí se eu gostava de azul, eu havia nascido no lado rosa, logo, bonecas pra mim. Eu achava bonecas um tédio (a não ser quando eu podia fingir uma fuga de caras maus ou ser o cara mau). As barbies, então, eu detestava. Lembro-me que despia aqueles seres disformes e ficava me indagando como elas podiam ter - ao mesmo tempo - pernas tão compridas, tanto peito e tal ausência de cintura. Não é por acaso que o meu eu-infantil via que há algo errado ali. Sempre há algo errado quando se proíbe uma criança de algo pelo fato dela "ser menina" (ou vice-versa). Até porque eu nunca desejei ser menino. Só queria a liberdade de um.

Crescemos aprendendo a ser frágeis. Assimilamos instintivamente que as diferenças entre ser homem e mulher ultrapassam - e muito - a diferenciação anatômica. A mulher deve ser jovem e bonita. O homem deve ser forte e másculo (e jamais chorar). Desculpa-se a violência do homem na culpa da fraqueza da mulher. Aqui está o nosso mundo: criado por Deus, perfeito, violento e machista.

Talvez, nesta altura da vida, eu já devesse ter me acostumado com tudo isso. Repetir, como mil papagaios em volta, que é "natural" que as coisas sejam como são. Entretanto, não consigo achar nem "natural", nem "normal", muito menos "bom", que devamos passar nossos dias perseguindo o que é considerado feminino ou masculino, restringindo-nos a isso. A alma humana me parece mais ampla e muito menos monótona. 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

EXERCÍCIO DE RESPIRAÇÃO


Respire e tente levar. Respire. Tente achar todo o ar que lhe falta. Não, não é uma aula de Yoga. É o cotidiano irrespirável. O cotidiano que começa com os sonhos noturnos e diurnos. Pisa com cuidado pelas obrigações e deveres. Derrapa pelas teorias, pelos estudos e pela sintaxe. Finaliza em um beijo ou nas emoções sufocadas. Esconde-se das grandes e pequenas vergonhas. O nascer e o pôr-do-sol tornando-se mera burocracia. 

E quando pára pra pensar, pensa que não quer viver assim.


(Olho teu número mil vezes, e mais uma vez desisto. O cotidiano se mantém.)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

(REVIRA)VOLTAS


Porque reaprender a ser só é jogo duro. E contra si mesmo.


(Uma mínima homenagem àqueles que tiveram a máxima paciência. Obrigada pelas conversas, muitas vezes transoceânicas. Ou no cordão da calçada de alguma rua, regada à noite e álcool. E pelos abraços, todos eles. Estar só não é tão verdade assim, uma vez que tenho aqueles que chamo de amigos.)

domingo, 5 de dezembro de 2010

A MINHA CAIXA DE PANDORA PARTICULAR


A lua está cheia. Meu peito está cheio de ti. Mas não o ar que eu respiro. Sequer o teu cheiro. Nem nas pequenas coisas tuas que eu guardo. Aqui está o gráfico de alturas e pesos, que usaste para rir de mim. Tua escrita, tua letra pedindo para que eu voltasse para contar meus piores dias. A folha já se borra com as lágrimas incontroláveis. O ingresso da peça que assistimos juntas. Teu grampo, do qual eu me apropriei. Todos aqui, guardados carinhosamente. A flauta é sempre uma lembrança. Os livros que me deste. O livro que me emprestou. Tuas fotos. Tu sempre tão bela.

Às vezes, o que eu mais quero é esquecer por completo de ti. Estripar-te da minha vida. Mas, toda vez que eu tento, só corto a mim mesma.