segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A PORTA DA FRENTE


Havia um morador de rua em minha porta. Ele não estava nos cantos, como deveriam ficar. Afinal, aos mais pobres dos pobres, jamais foi concedida a porta da frente. Entretanto, este foi atrevido, ou apenas estava estuporado demais para saber onde caia. 

Era ele a contaminar a minha rua perfeita, no final de tarde de primavera. Sim, eu sei que eles existem. Mas prefiro vê-los em documentários, assistir nas reportagens sensacionalistas do telejornal, desviar deles nas ruas mais sujas do centro. Justificam o fato de ele estar ali. Falam em estatísticas, citam os defeitos humanos. Colocam a culpa na miscigenação brasileira, nos vícios, nas doenças, na cultura, nos políticos. Só que, por mais que digam e repitam, não é isso que traz o homem bloqueando a minha porta. 

Ele faz de cama o chão onde pisamos. Seu alimento, tudo que rejeitamos. Seu amigo fiel, um cão. Tão vira-lata quanto o dono. Porém, mais amado, já que não carrega a culpa de ser gente. De berrar: Hei, sou humano! Não vire a cara. Meu cheiro seria o seu cheiro, se vivesse como eu vivo. Minha pele, sua pele. Não somos assim tão diferentes, mas porque você é quem sobe até o conforto de um apartamento? Não existiriam apartamentos para todos? Ah, eu não tenho dinheiro. Mas porque precisamos de dinheiro? Precisamos de comida, precisamos de um teto, precisamos de carinho. Mas tudo só se consegue com dinheiro? É, quem não tem dinheiro dorme na rua.

Prefiro vê-los quando não me sinto culpada por não deixá-los entrar.

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